segunda-feira, 28 de março de 2011

VIPs


O maior erro que alguém que assiste um filme baseado em fatos reais pode cometer é colocar a palavra "fatos" acima de "baseado".
A vida real necessita de uma certa "romantização" nessa passagem, diálogos mais marcantes, drama, conflitos. A vida real precisa de uma dose fictícia de glamour para tornar-se interessante o bastante pra tela grande.
A vida real, seca e crua, não da bilheteria.

É aí que mora o maior pecado do filme VIPs.
No ímpeto de tornar uma história real em algo mais.. digamos assim, comercial.. VIPs exagera e perde o tom.

A história real é a do golpista Marcelo Nascimento da Rocha que, após servir de piloto para traficantes paraguaios, em seu trambique mais famoso se faz passar pelo irmão do dono da empresa aérea Gol, aproveitando as devidas mordomias que seu papel lhe proporciona (leia mulheres, entrevistas e puxa-sacos).
Esse caso foi retratado no livro "VIPs - Histórias Reais de um Mentiroso", de Mariana Caltabiano, que serve como base para o filme.

E é a isso que se limita a história real.
Uma base.

Apesar do próprio Marcelo ter assumido que fazia o que fazia apenas pela diversão, o filme tenta criar um motivo psicológico para isso, como que na tentativa de justificar os atos do personagem. Para isso ele faz uso da figura do pai e da presença sufocante da mãe. Não contente, ainda lança mão do motivo mais clichê do mundo, o "garoto inteligente e rejeitado que não encontra seu lugar no mundo", e faz disso tudo um pretexto para a suposta crise de identidade do protagonista.
De um malandro tentando se divertir, Marcelo passa a um rapaz psicologicamente perturbado que precisa adotar outras identidades para se sentir completo.
Afinal, isso seria muito mais interessante.

Mas seria mesmo?

A escolha do elenco, da forçada Gisele Fróes ao ótimo Norival Rizzo (mãe e pai do Marcelo, respectivamente, claro) é uma montanha-russa, exemplificada na atuação do protagonista Wagner Moura. Hora fantástica, hora constrangedora.
Mas se o filme vale por alguma coisa, é pelo seu ator principal. Indepedente de alguns exageros (que aparentemente estão la para contrastar com alguns momentos mais sutis), Wagner Moura mostra por que é um dos melhores atores de sua geração, e de muitas outras. Principalmente quando comparamos seus diversos papéis ao longo de sua carreira e percebemos que cada personagem é um personagem completamente único.
Sabendo ser carismático, engraçado, charmoso e mentalmente perturbado, ele é o principal motivo para assistir ao filme.

. . . mas vale dizer que sua interpretação de Renato Russo cover soa mais um Sidney Magal gripado.

Ao ver boa parte do cinema sair achando que os fatos mostrados na tela são de fato os fatos reais, percebe-se que um aviso seria bem-vindo ao começo do filme.
Algo do tipo "apesar de se basear em uma história real, VIPs é uma obra de ficção, mostrando eventos que na verdade nunca aconteceram e moldando seus personagens de acordo com seu próprio interesse".
Isso já seria bem esclarecedor.

VIPs não é um filme ruim, mas também não é um filme ótimo.
Ele respeitavelmente tenta mostrar toda a existência patética do personagem principal (que é realmente um coitado), e até consegue em alguns momentos.
Mas no momento em que tenta maquiar demais a verdade, a própria verdade se torna seu ponto fraco. Talvez a história real funcionasse melhor.
Inclusive por, ao se focar em um golpe, acabar ignorando todos os outros, talvez tão (ou até mais) interessantes quanto o que é mostrado no filme.
Do jeito que foi, serve apenas como um entretenimento esquecível e passageiro.

A prova de que algumas histórias reais já se sustentam apenas pelo que são.

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